A primeira semana do ano começou com a espantosa notícia de que o vereador da cidade de São Paulo, Rubinho Nunes (União) angariou assinaturas junto a seus colegas para a criação da CPI das ONGs na câmara paulistana, mirando a atuação do Padre Júlio Lancellotti da Paróquia São Miguel Arcanjo, que realiza trabalho filantrópico na Cracolândia, localizada na região central da capital. É uma prerrogativa legal do parlamento fiscalizar os investimentos e convênios públicos, incluindo os realizados com as ONGs e principalmente, em caso de indícios de desvios de finalidade, recursos ou qualquer outra disparidade improba.
Surpreende (ou não) que na justificativa do parlamentar, não há qualquer indício de irregularidade nos convênios ou apontamentos de possíveis desvios, e no caso do Padre Júlio, sequer existe ligação com os referidos convênios, tendo em vista que todo seu trabalho é realizado através de ajuda financeira da própria população, sem recebimento de recurso público.
Posto isso, criou-se uma grande celeuma em torno da questão, extrapolando e muito a mera atuação parlamentar, passando a uma discussão antropológica, sociológica e de saúde pública. O termo “aporofobia” vem de duas palavras gregas: áporos, que significa o pobre, o desamparado, e fobéo, que significa temer, odiar, rejeitar. O que se tem observado no mundo todo, e no Brasil não é diferente, é um aumento expressivo no discurso de ódio, principalmente nas redes sociais. A Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da Safernet, organização de direitos humanos em ambiente virtual, constatou um aumento de 67,7% de casos relatados no ano de 2022.
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Há um surto generalizado na atualidade, em que esse discurso de ódio encontra adeptos em toda sociedade, na sua família, no seu trabalho e até mesmo dentro da própria igreja, renegando os ensinamentos do cristianismo como amor ao próximo e partilha do pão, como o Apóstolo Lucas escreveu em Atos 4:32-35. Não são maioria, mas uma pequena parte da população, barulhenta, raivosa, e com a mente totalmente bloqueada para o debate, a ciência e novas percepções que não sejam as já determinadas em sua cosmovisão, ou visão de mundo.
Padre Júlio não precisa de texto para defendê-lo, é um homem culto, inteligente, conhecedor da lei divina, mas também das leis do homem, da filosofia, conhecedor de gente, de sofrimento e como ele mesmo afirma, seguirá lutando com uma mão, enquanto dá o pão com a outra. Ele sabe que Cristo na sua passagem terrena também foi perseguido e injustiçado. O sinal de alerta se acende justamente em relação a essas pessoas que tanto ódio tem disseminado.
A sociologia explica que quem nasce em meio a privilégios, não enxerga com bons olhos a ascensão do mais pobre, apesar da caridade atenuar a visão de igualdade deste indivíduo, ele não consegue ser ver no mesmo nível. A ciência também explica um pouco do ódio exacerbado. O renomado psicólogo germano-inglês Hans Eysenck (1916-1997) determinou em seus vastos estudos a tríade da personalidade, dentre as quais, o psicoticismo, afirmando que tal característica é inerente geneticamente ao indivíduo, sendo necessário em seu decorrer de vida, evoluir características como simpatia e consciência, moldando uma personalidade menos agressiva.
O trabalho do Padre Júlio continuará, assim como o de Dom Hélder Câmara está aí, Betinho, Dom Pedro Casaldáliga, Irmã Dulce, Josué de Castro, Chico Mendes e tantos outros. Todos estes que além da luta em combate á fome, à pobreza e à desigualdade, têm em comum também, a perseguição pelo ódio.
José Alfredo Curado Fleury Júnior é advogado sanitarista,
servidor público e consultor em saúde e gestão pública .