Título original: O SONHO QUE SE TORNOU UM PESADELO: UM BREVE ENSAIO SOBRE A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL
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O processo de gestação é um processo cheio de descobertas e aprendizados, os pais, mergulham em um mundo novo e por vezes, vivenciam um sonho, se preparando para um dos momentos mais especiais de suas vidas, o nascimento de seu filho. Mas infelizmente, às vezes, o que era para ser um sonho, se torna um pesadelo, o nascimento de um filho, um momento tão mágico e especial, pode se tornar assustador e traumatizante, quando falamos do cenário obstétrico do nosso país.
Uma pesquisa realizada pela Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ) constatou que 30% das gestantes que são atendidas na rede privada sofrem violência obstétrica, e das gestantes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 45% também vivenciam situações de violência obstétrica.
Violência Obstétrica é o termo usado para conceituar o desrespeito à mulher, à sua autonomia, ao seu corpo e aos seus processos reprodutivos, durante a gestação, parto e pós-parto. Pode manifestar-se por meio de violência verbal, física ou sexual e pela adoção de intervenções e procedimentos desnecessários e/ou sem evidências científicas. Afeta negativamente a qualidade de vida das mulheres, ocasionando abalos emocionais, traumas, depressão, entre outros prejuízos.
Recentemente, as mídias foram bombardeadas com notícias sobre casos de violência obstétrica e esse tema veio à tona. Como exemplo, podemos citar casos emblemáticos como o da influenciadora Shantal Verdelho, da atriz Klara Castanho e os casos ocorridos no Hospital da Mulher Heloneida Studart, relacionados ao anestesista.
Manobra de Kristeller (Empurrar a barriga da mulher), xingos, procedimentos sem o consentimento da mulher, violência moral, violência psicológica, falsos indicativos de cesária, negar a presença de um acompanhante e abuso sexual, caracterizam os casos aqui citados e estão presentes na experiência de parto de muitas outras mulheres.
Desde o pré-natal, há uma cascata de acontecimentos que levam a violência obstétrica, ao meu ver, a violência se inicia na ausência de qualidade das informações ofertadas a família, durante o pré-natal. Muitas mulheres vivenciam uma violência obstétrica, acreditando que é apenas um procedimento médico padrão.
Casos como os citados aqui, talvez, não teriam acontecido, se essas famílias estivessem munidas de informação. Como exemplo, a mulher que foi violada pelo anestesista durante uma cesariana, teve seu acompanhante retirado da sala de cirurgia, no entanto, a Lei Federal 11.108/2005 garante a presença de um acompanhante durante todo o tempo de estadia no hospital.
A ausência de informação sobre os procedimentos médicos e sobre os seus direitos, coloca as mulheres em uma situação de vulnerabilidade muito maior. Mulheres e famílias precisam ser orientadas e empoderadas para evitarem tais situações, ou se caso, essas situações ocorrerem, saberem lidar.
A violência obstétrica é uma questão estrutural e cultural, os profissionais que a praticam, muitas vezes, acreditam estarem fazendo o mais correto. Historicamente, os partos eram eventos familiares, e as mulheres tinham a liberdade e autonomia para conduzirem o próprio parto, pois o mesmo, é um evento natural.
Com a transição do cenário do parto de um ambiente doméstico, para um ambiente hospitalar, toda a naturalidade do parto e autonomia da mulher, foi se perdendo. O protagonista do parto veio a ser o médico obstetra, e a mulher, uma ferramenta passiva para o nascimento do bebê, essa inversão de papéis, criou uma estrutura no cenário do parto e nascimento, que viabiliza o que chamamos hoje, de Violência Obstétrica.
Mesmo em Maternidades que são referências internacionais na Humanização do Parto e Nascimento, como exemplo, o Hospital São Pio X em Ceres, Goiás, ainda encontramos vestígios dessa cultura violenta.
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Um sonho, são as políticas públicas de atenção à saúde da mulher, que na ponta da linha, se tornam um pesadelo, ao esbarrarem na estrutura e cultura violenta regente. O cenário obstétrico no Brasil precisa mudar, as estruturas da atenção à saúde da mulher, direitos reprodutivos, gestação, parto e puerpério precisam ser repensadas, e o protagonismo da mulher, precisa ser resgatado.