No artigo “Morte silenciada: O suicídio e a representação social”, Andrea Loes Peres e outros; expõe que o suicídio é uma prática marcada pela interrupção voluntária da vida, que em geral, ocorre como o último estágio de síndromes mentais. Tal atitude é vista com um olhar preconceituoso por grande parte da sociedade, apesar de ser muito comum ao longo da história e de ser a terceira causa de morte entre pessoas de 15 a 34 anos. No cenário atual, assuntos relacionados ao suicídio são considerados polêmicos e, portanto, é um tabu no ponto de vista religioso, cultural e social, tendo em vista que o ato de tirar a própria vida não se encaixa em regras morais e sociais estabelecidas.
Os autores manifestam que o suicídio é um problema de saúde pública, onde milhões de pessoas tiram suas vidas voluntariamente e outras possuem comportamento suicida que pode ser um pensamento expressado de forma verbal ou não verbal, um planejamento, uma tentativa ou mesmo a morte. É um assunto socialmente ocultado, que enfrenta preconceito e se torna ainda hoje uma morte silenciosa.
Esse comportamento de autodestruição está presente no cotidiano social, no alcoolismo, toxicomania, ausência de acompanhamento médico, errôneos estilos de vida que levarão à morte natural. O serviço de saúde atende pessoas que tentaram o suicídio, todavia não prosseguem com o encaminhamento para o serviço de saúde mental, interrompendo o acompanhamento desse paciente, facilitando que novas tentativas venham parecer.
Além disso, o artigo relata que é possível verificar dentro do contexto histórico, o quanto a sociedade e as crenças religiosas pesavam sobre o suicídio. É importante ressaltar que o suicídio nem sempre foi tratado como tabu, mas um simples ritual e até mesmo um ato de bravura. Segundo Ribeiro (2003) essas diferenças de interpretação sociocultural diante do suicídio, são variáveis de época para época. A sociedade Grega pré-cristã, que foi o berço da civilização, tinha uma forma peculiar de perceber o suicídio, uma vez que nessa sociedade o homem poderia cometer suicídio caso o mesmo fosse aprovado pela comunidade.
Quando o suicídio não era autorizado pela comunidade o ato passava a ser repudiado e o cadáver era mutilado, o velório era em local incomum ao das mortes naturais e empregavam um ritual de escárnio sobre o cadáver. A morte em si está ligada a uma ação má, a um acontecimento medonho, a algo que em si clama por recompensa ou castigo. Os anciões com certa idade e com situações debilitadas tinham o direito de suicidar, uma vez que o mesmo não conseguisse acompanhar as atividades da sociedade. Ocorria uma franca indução comunitária ao suicídio, religiosamente estimulada e normativamente legitima.
Nesse sentido, percebe-se que o suicídio antes da era cristã, hora era condenado, hora era imaculado, mas depois do surgimento do monoteísmo e a concretude do cristianismo, esse ato passou a ser punido. O suicídio foi totalmente condenado no século V por Santo Agostinho e pelo Concilio de Arles. Após a revolução Francesa, o suicídio foi descriminalizado, porém, não deixou de ser acobertado pela sociedade. Afinal, o suicídio transformou-se em um mal mental, moral, físico e social, que nem de longe lembra a sugestão dos pensadores iluministas, de encará-lo como mais uma manifestação da liberdade humana.
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Para o sociólogo Durkheim, o fato do suicídio ser um fenômeno social, não pode ser cingido como um aspecto meramente individual, uma vez que passou a ser observado como patologia, considerando principalmente a psiquiatria. Existem três tipos de suicídio, que foram classificados em: egoísta, anômico e altruísta. No suicídio egoísta ocorre o afastamento excessivo do sujeito, onde há o enfraquecimento dos laços sociais, da identificação com o próximo e da solidariedade própria com a coletiva. O suicídio anômico, ocorre em situação de desordem social, quando os valores e tradições de referência são abalados. Já no altruísta, que é o contrário do suicídio egoísta, ocorre quando há apego excessivo, a identificação com o coletivo e forte o suficiente a ponto de desconsiderar o individual importante.
A contemporaneidade ainda enfrenta dificuldades em aceitar e compreender problemas psicológicos e/ou mentais como algo importante e que deve ser trabalhado, estudado e que toda doença refere-se a um doente, e que esse doente deve necessariamente ser levado em conta no tratamento. Considerando que o “eu” que sofre com esse mal não só o sente, como o vivencia frequentemente. Sendo assim, o sofrimento orgânico é objetivável, e pode-se atuar sobre o corpo para que o tratamento ocorra. O sofrimento psicológico, por sua vez, falha nesse aspecto; ele possui um elemento concreto onde a intervenção pode vir a acontecer.
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Nesse ínterim, concluímos que o suicido é uma realidade presente e frequente em nossa sociedade como observamos no percentual de participação nas causas de mortes de jovens e com suas causas relacionadas a problemas cada vez mais corriqueiros no nosso dia, que são a depressão maior e a dependência e abusos do uso de álcool e substâncias psicoativas. Tendências de crescimento assustador do número de casos, já é considerado um dos maiores problemas de saúde pública pela OMS, carece de intervenções da sociedade como um todo, indivíduos, famílias, escolas, universidades, e todas as organizações de saúde e governo.
Comentário crítico:
O suicídio é uma questão social e um problema de todos. Sendo assim, o Estado precisa se responsabilizar e intervir com políticas públicas eficazes durante todo o ano e não somente promover campanhas no Setembro Amarelo. No Brasil, nos últimos quatro anos, um cenário político autoritário evidenciou o descaso com a saúde mental de milhares de brasileiras e brasileiros; paralelo a isso, vivenciamos uma pandemia mundial que levou ao isolamento social e até mesmo à morte e tornou todas as desigualdades ainda mais evidentes: fome, desemprego, falta de moradia, decadência do sistema de saúde e educacional, entre outros.
Diante disso, em 2020 o epidemiologista Jesem Orellana (Fiocruz Amazônia), e o médico psiquiatra Maximiliano Ponte, da Fiocruz Ceará, desenvolveram um estudo chamado: “Excesso de suicídios no Brasil: desigualdades segundo faixas etárias e regiões durante a pandemia de Covid-19”, os dois cientistas explicam essa relação e apresentam os resultados inéditos do estudo. A conclusão foi de que, apesar da diminuição geral (13%) na taxa de suicídios no Brasil no período avaliado, houve um excesso substancial de suicídios em diferentes faixas etárias e sexos das regiões Norte e Nordeste do país – “coincidentemente”, regiões socioeconomicamente mais vulneráveis.
De fato o suicídio é um reflexo de um mundo adoecido, por diversas epidemias, sendo que uma delas é o preconceito. Sabemos que julgar uma problemática social através da própria bolha, é no mínimo desonestidade e injustiça. Uma vez que, existem diversas questões a serem trabalhadas e desconstruídas acerca do suicídio. Não há como falar de conscientização, sem antes passar por uma emancipação de povos.
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Afinal, se são as pessoas que fazem a igreja, quem faz uma sociedade? Não falta Deus na humanidade, falta humanidade na própria humanidade; e esse processo de humanização começa pela iniciativa de se olhar a fundo para o sofrimento humano e compreendê-lo. Portanto, acreditamos que é o nosso papel enquanto psicólogas e psicólogos guiar esse caminho de autoconhecimento e conhecer as ferramentas necessárias para lidar com a problemática.
Angélica Coelho é ceresina residente em Goiânia, estudante de Psicologia pela PUC Goiás.
Diretora de Pesquisa e Práticas na LAPSO, a primeira liga acadêmica de Psicologia Social do Centro-Oeste,
onde facilita iniciativas que buscam levar a Psicologia para além dos limites da universidade. Trabalha com Recursos Humanos. Canaliza o lado artístico escrevendo poemas, intuindo as complexidades da vida em palavras