O relógio marcava 54:21 do segundo tempo, quando o futebol devolveu tudo que a Ponte Preta deu a ele em 125 anos, conquistando seu primeiro título de destaque, o Campeonato Brasileiro da Série C de 2025, rompendo não somente um jejum centenário, mas quebrando um padrão de repetição com herança colonizadora.
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Ao longo dessa temporada a Macaca passou inúmeras crises nos bastidores que colocaram em dúvida a sua sobrevivência, com a troca de treinadores e até a saída de jogadores em meio ao campeonato do qual se tornou campeã, mas terminou devendo a folha salarial de alguns meses da maioria dos atletas. Um ano difícil como tantos outros, na história de resistência e resiliência do time campineiro.
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A sua torcida ensandecida, desceu das arquibancadas no primeiro minuto após o apito final e invadiu o gramado do Majestoso Moisés Lucarelli, claramente perdida sem saber como se comemora um título, correndo de um lado para o outro, arrancando pedaços de grama, subindo nas traves, rasgando as redes, pois cada um queria um pedaço para levar de lembrança. Teve torcedores carregando outros na maca e invadindo o carrinho da equipe médica.
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Um momento histórico, de quem tem história. A Polícia desistiu de conter a multidão e foi proteger os jogadores do Londrina e a equipe de arbitragem. Não foi possível realizar a cerimônia de entrega das medalhas. Chega a ser hilário, mas a Associação Atlética Ponte Preta, não viu seu troféu após a vitória de 2 a 0 em casa, diante de 14.623 pontepretanos, que lavaram a alma de seus pais e avôs.
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Ao longo de sua história, a Ponte foi vice diversas vezes, inclusive do Brasileirão Serie A em 1977 e da Copa Sul Americana, mais recentemente em 2013. Nunca ganhou sequer o estadual, mas foi vice nas edições de 1970, 1977, 1979, 1981 e 2008. Agora, de volta a Série B do Nacional, também ganha o direito de disputar a Copa do Brasil, diretamente na fase avançada da competição.
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Compromisso social da Ponte Preta
A A. A. Ponte Preta possui uma grande e histórica importância na luta social, especialmente no combate ao racismo e na promoção da inclusão social no futebol brasileiro. Fundada em 1900 em um bairro de Campinas ligado à ferrovia, logo após a abolição da escravatura. Sua organização e base de torcedores incluíam desde o início pessoas que eram marginalizadas, principalmente negros. Este pioneirismo é reconhecido como a primeira “democracia racial” no futebol brasileiro e possivelmente do mundo, por permitir a prática do esporte sem distinção de cor.
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Teve o primeiro jogador negro do futebol nacional, Miguel do Carmo, o que reforça seu papel de quebrar barreiras raciais no esporte e ainda Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho, como presidente, um dos poucos (ou o único, em determinado momento) dirigente negro no alto escalão do futebol brasileiro entre as Séries A e B, evidenciando a luta contra o racismo estrutural também na gestão esportiva.
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O apelido e mascote “Macaca” é um símbolo de resistência e luta antirracista. O termo, originalmente uma ofensa racista proferida por torcidas adversárias, foi assumido pela torcida pontepretana como um ato de afirmação e orgulho, transformando o insulto em um símbolo de união e força no combate ao preconceito.
O time mais antigo do Brasil
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Apesar da polêmica que já foi parar na justiça, envolvendo o Sport Club Rio Grande (RS), fundado 23 dias antes da alvinegra, a Macaca é o time mais velho em atividade em competições nacionais, uma vez que seu “irmão” disputa apenas divisões inferiores em seu estado, enfatizando a AAPP, “gigante, raça de campeão”, como diz seu hino e por tudo isso uma espécie de quilombo urbano que liga o Brasil, encurtando as distâncias de seus abismos sociais.
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Kássio Kran é psicólogo, palestrante e terapeuta,
fundador do Instituto Ubuntu e da Fundação Henrique Gabriel dos Santos. 
Atualmente é CEO do PASH – Plano Assistencial em Saúde Holística
 
								 
						 
								
 
															