Após um hiato de uma década, o Ministério da Cultura (MinC) realizou entre os dias 4 e 8 de março de 2024 a 4ª Conferência Nacional de Cultura (CNC), com o tema: Democracia e Direito a Cultura, que reuniu cerca de 3 mil pessoas em Brasília – DF demonstrando o compromisso do governo Lula com o setor que havia sido colocado em segundo plano na gestão anterior.
Apesar dessa conquista, muitos fazedores de cultura espalhados do Oiapoque ao Chuí reclamaram pelo fato de o evento contar quase que exclusivamente com personalidades políticas e não com artistas e agentes culturais, que são a parte técnica da classe e que por assim ser, entendedores do assunto na ponta da linha. Boa parte do público se fez de secretários municipais e gestores de estado com delegações reduzidas e aparentemente selecionadas de forma criteriosa.
Houve uma seleção de observadores por meio de um questionário via Google Forms sem critérios claros de escolha excluindo assim boa parte de profissionais que não vivem, mas sobrevivem de suas atividades culturais estabelecendo um apartheid num cenário em que já há um abismo entre a elite cultural, que consome e dita as normas da cultura e o proletariado cultural, que faz cultura sem recursos.
Observadores que estiveram presentes na Conferência, queixaram-se de processos de exclusão dentro do próprio evento que atingiu até mesmo delegados suplentes, impedidos de participarem de certas reuniões e não apenas de votar ou falar, como era o acordo inicial e natural neste tipo de discussão. Uma observadora do Distrito Federal contou a nossa equipe que se “sentia um zumbi na posição de observadora, pois nem mesmo acesso a material teve para acompanhar as discussões das quais já não poderia participar” e classificou como “ridícula” a postura dos organizadores que disponibilizaram material até para convidados, mas para observadores, não.
Outra observadora entrevistada, essa do Estado de São Paulo contou que se sentiu excluída e menosprezada ao ver que pessoas políticas tiveram mais importância do que pessoas fazedoras de cultura. Segundo ela, os observadores não tiveram sequer acesso a refeições como os demais, delegados, suplentes, políticos e convidados. “É como se a gente fosse a periferia da Cultura, mas nós fazemos a Cultura” disse ela acusando a organização de “pseudo-inclusão” e de valorizar uma “democracia seletiva”.
“A gente chega no evento animada com a possibilidade de uma mudança e o que a gente recebe? Apenas um crachá. O que viemos fazer aqui? Assistir eles fazerem o que quiserem da nossa cultura”, disse em tom de revolta outra observadora do Rio Grande do Sul. “A distribuição do material deveria seguir de forma democrática e sem restrições como em qualquer conferência. Não foi assim nas conferências municipais e estaduais?”, continuou a mulher.
Uma moça do Ceará também na condição de observadora nos contou que “me sinto envergonhada. É um absurdo. Ficamos 10 anos sem uma conferência e não conseguem organizar uma recepção e condições de trabalho que inclua todos? Parece um teatro.” Muitos relataram uma quebra de expectativa imensa e um completo desânimo com a iniciativa.
Leia agora: Congresso de Culturas em Goiânia reúne lideranças nacionais
Apesar de várias reclamações há relatos de abertura de algumas plenárias para discussão e participação de todos os presentes. Cabe ressaltar que representantes do Minc nos estados, como por exemplo o Coordenador Estadual do Ministério em Goiás, senhor Milton Gonçalves se esforçou bastante para garantir a participação do máximo possível de municípios desde a criação das conferências municipais.
Deixando de lado as controvérsias, a CNC cumpre seu papel e é parte do trabalho que resulta na aprovação do PL 5.206/2023 da Câmara dos Deputados que é o Marco do Sistema Nacional de Cultura (SNC), previsto na Constituição Federal através da Emenda Constitucional 71 e visa regular e fomentar as atividades do setor como uma espécie de SUS (Sistema Único de Saúde).
Espera-se que a CNC e o SNC sejam realmente marcos inclusivos, tal qual disse o presidente Lula para a ministra da pasta e também artista e fazedora de cultura, Margareth Menezes, por ocasião da cerimônia de abertura do evento: “a Cultura não pode ser uma coisa do presidente da República, da ministra da Cultura ou uma coisa de um ou outro artista. A Cultura, ela tem que estar nas entranhas, sobretudo das pessoas humildes, das pessoas mais pobres, que muitas vezes não tem acesso a cultura que a gente faz.”
E segue: “Porque muitas vezes a nossa cultura tem um viés financeiro de sobrevivência. E quantas pessoas humildes tem condições de ir ao teatro? Quantas pessoas humildes tem condições de participar de uma atividade cultural mais sofisticada, mais politizada? Nenhuma! Então Margareth, uma das revoluções que você tem que fazer nessa sua passagem pelo Ministério da Cultura não é esperar que o povo venha até a Cultura. Faça a Cultura ir até o povo para que o povo se apodere dessa cultura”.