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Valério Luiz: uma crônica antiesportiva

Em 2012 foram 11 jornalistas brasileiros mortos, e 121 no mundo todo.
Publicado em 14 de novembro de 2022
por Kássio Kran

O ano, não me lembro precisamente, mas a memória ferve, como se fosse na última quarta-feira, quando meu falecido pai, botafoguense, Luiz Kran me dizia: “esse é o programa de esportes, mais sincero de Goiás”. Assistíamos juntos ao TBC Esportes, com a equipe de Mané de Oliveira enquanto falavam da vitória do Ceres Esporte Clube sobre o Goiás Esporte Clube, no Campeonato Goiano Sub-20. Nenhuma outra mídia televisiva fazia isso.

Leia agora: A relação do Time do Ceres com a Política

A bancada era simples e tinha, assim como na minha casa simples, pai e filho juntos. Do lado de lá da tela, eram Mané de Oliveira e seu filho, Valério Luiz, que era torcedor do Atlético Clube Goianiense. Na época, eu era treinador de um time de futebol na cidade de Ceres, o Interiorano Futebol Clube e tinha um sonho: ter os garotos da agremiação que fundei, estampados naquele programa de TV, um dia.

Mas os ventos viraram o rumo do barco e alguns anos mais tarde, me mudei pra Goiânia, para trilhar a dura jornada e me tornar psicólogo. Morava do lado do Estádio Serra Dourada, minha casa tremia quando tinha jogo e eu podia vibrar com os gols, pelo barulho da torcida, antes mesmo que o narrador, também falecido, Cleiber Júnior da Rádio Jornal 820 AM, hoje, Rádio Bandeirantes, dissesse: “esbagaçou”. Ouvia com meu primo/tio Idevaldo, hoje jogado num asilo.

Nas idas e vindas aos estádios e palácios do futebol goiano, conheci as pessoas simples que vi na TV e ouvia nas rádios. Uma vez, esperei Valério Luiz sair da PUC-TV, só para conhecê-lo. Definitivamente não era o mesmo, pois do lado de fora, parecia tímido e de poucas palavras. Mas também. Pudera, imagina o cronista sendo ácido o tempo todo, produzindo críticas cítricas no seu cotidiano, nem Jeová aguentaria.

Pouco tempo depois, no início das férias da faculdade, o amigo Rui, manda uma mensagem de SMS em meu celular: Mataram o Valério. Foi ele quem me levou para conhecer o cronista esportivo. As circunstâncias afastaram a gente, “mas a nossa amizade da saudade no verão”. Em pouco tempo, ele chega em minha casa e nos dirigimos ao local do crime. Lembro-me como se fosse sexta passada. Era uma quinta. No dia seguinte, não fui trabalhar. Acompanhei de longe a cerimônia fúnebre. Até o governador do Estado, Marconi Perillo, estava lá.

Estávamos produzindo um trabalho acadêmico sobre as torcidas organizadas e tínhamos a proposta de entrevistar Valério. Não deu tempo! Uma ação escabrosa endereçou 6 ou 7 balas ao pai de Valério Luiz Filho. Meu amigo Rui, tinha, mas deve ter até hoje, uma intuição fantástica e narrava do Jardim Goiás até a Serrinha, quem seria o mandante do crime. Ele estava certo! Mané também já sabia. Gritava ao lado do econômico e modesto Ford Ka preto, onde jazia o filho, com um pé para fora. Foi a primeira vez que vi o advogado Valério Filho.

O tempo passou e o cartola Maurício Sampaio foi apontado e denunciado como mandante do crime brutal. Em 2012 foram 11 jornalistas brasileiros mortos conforme o portal Gazeta do Povo e 121 no mundo todo, conforme dados da Federação Internacional de Jornalismo (FIJ). Um claro ataque a liberdade de imprensa e a tão defendida na atualidade, liberdade de expressão. Tem gente que não sabe lidar com críticas. Pode ser uma falha na estrutura da personalidade, mas pode ser falta de caráter e valores humanos também. Como diz o Criolo, na canção Boca de Lobo: “No Brasil quem tem opinião, morre”. E eu temo por mim e pelos meus. Valério assim como vários de nóiz, era sobretudo autêntico e por isso mesmo, persona non grata.

Lembra muito o caso de Nativo da Natividade assassinado em 1985 na cidade do Carmo do Rio Verde, tanto a motivação, o modus operandi e o desfecho judicial. A elite orquestrando seus mandos e desmandos em franca parceria com a máquina pública. Nada mudou! E foi isso que me fez afastar dos jogos do Dragão Atleticano.

Assim como Valerinho, talvez também por influência do meu pai, sou esmeraldino, mas acompanhava com o mesmo afinco os jogos dos outros times da capital e até do estado. Uma vez comemorando um gol do time lá de Campinas, contra o São Paulo, atingi com um soco o queixo de um amigo, o Marcos Maranhão que estava na arquibancada acima da minha. A torcida, sempre foi pelo futebol goiano. Fiquei amargo. Passei a conjurar derrotas para o Dragão Campinense e desejar que rebaixasse contínuas vezes e sumisse. Sonhava com uma vitória do Ceres sobre o Atlético na terceira divisão do Goianão em pleno Estádio Gelço da Costa, o principal palco futebolístico da cidade. O sentimento ficou mais intenso vendo o apoio de parte da torcida e aclamação de Maurício Sampaio a presidência do Atlético Goianiense, clube em que ainda possui cargo. Uma descrença em relação a Justiça, principalmente quando se trata de pessoas com grande poder aquisitivo.

Se eu, que nunca tive nenhum vínculo com a família fiquei assim, imagina Mané, Lorena, Laura e Valério Filho, que esperava o pai para uma conversa no almoço, que nunca aconteceu. Hoje, em processo de cura, o rubro-negro é neutro para mim. Não torço pelo seu descenso, torço pelo crescimento dos outros.
Mas me lembro de uma fala do radialista Valério:

“Se um dia você estiver andando e vir uma vaca numa árvore, pode até não saber como ela subiu lá, mas sabe que ela vai cair”.

Valério Luiz

E em 2022, ano em que ocorre o júri popular e a condenação dos envolvidos no assassinato, que findou 35 anos de carreira, o time que Valério criticava, pelo simples fato de querer bem e que crescesse de maneira correta, está em processo de queda, e decreta seu rebaixamento para a Série B do Brasileiro na última rodada, na antepenúltima posição. Um filme de aventura e terror.

“Em filme de aventura, quando o barco tá enchendo de água, os ratos são os primeiros a pular fora”.

Valério Luiz

Foi essa frase, dita pelo comentarista que fomentou a premeditação de seu assassinato. Ele foi morto dentro do barco, não pulou fora, como um verdadeiro dragão. Não eram ratos, Valério, eram lagartixas e calangos fantasiados de dragão. E até a minha mãe, alienada do mundo esportivo, compreendeu o que aconteceu. Ela esteve comigo, no dia 21 de julho de 2012 no Serra Dourada e assistimos a manifestação pela morte covarde do cronista. Na ocasião, dona Nilma tomou um banho de cerveja na comemoração do segundo gol do Goiás e diante daquilo concluiu em sua primeira ida ao estádio, que o futebol é violento em todos os níveis.

Enfim, agradeço ao Portal OAgregador por abrir esse espaço para essa matéria, já que outros veículos de comunicação da região do Vale do São Patrício, não aceitaram publicar esse desabafo, que é também uma homenagem e uma forma de me solidarizar com essa dor que já dura 10 anos. Justiça está sendo feita, emplacando derrota importante mesmo que na última rodada.

Salve Valério, pai!
Segue Valério, filho!
Paz e Luz, aos nossos corações.
Viva, ao futebol goiano.

Ficha Técnica

Citações:  Gazeta do Povo

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