O ano era 2022 e ainda não aprendemos a lidar bem com as perdas, mas também pudera, o ano passado foi implacável e levou muitas pessoas amadas pela sociedade como Erasmo Carlos o Tremendão, Gal Costa e sua mensagem forte, o sertanejo Rolando Boldrin, Elza Soares a mulher do fim do mundo e sua voz incomparável.
O jornalista Arnaldo Jabor com seus comentários profundos e leves se foi, assim como o Batoré (Ivan Gomes) e a atriz Claudia Jimenez, tantas perdas que sai de baixo. Outros atores falecidos em 2022 foram Pedro Paulo Rangel e Milton Gonçalves. Jô Soares e a Rainha Elizabeth II foram perdas bem marcantes, assim como o Papa Bento XVI no último dia do ano.
E ainda teve a morte de Pelé, o Rei do futebol e o triste passamento de uma outra lenda do esporte, o nosso querido Dirceu Lopes aos 45 minutos do segundo tempo do jogo de 2022, vítima de um câncer metastático originado no fígado, aos 64 anos de idade, tendo sido velado e sepultado no dia 01 de janeiro de 2023.
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O legado
Dirceu Lopes foi um grande jogador de carreira internacional, que mereceria um verbete na Wikipédia, havendo poucos registros desta celebridade que nasceu em Minas Gerais, mas escolheu Ceres para ser sua terra do coração e aqui dedicou a maior parte de seu talento, não tendo o reconhecimento merecido até então.
Revelado para a América Latina pelo time do Cruzeiro de Belo Horizonte fez carreira no Democrata de Sete Lagoas onde foi campeão mineiro da segunda divisão de forma invicta, numa campanha histórica, como meio-campista, usando a camisa 8 pelos gramados de Minas, entre eles o Boca do Jacaré e o Mineirão.
Conhecido por lá como Teu, jogou pelo Vila Nova de Nova Lima e pela Caldense também de Minas Gerais e em regime de empréstimo pelo Cruzeiro, disputou campeonatos estaduais e regionais pelo Nordeste a fora jogando pelo Santa Cruz de Pernambuco e pelo Arapiraca Futebol Clube de Alagoas.
Com experiência internacional, jogou por uma temporada no futebol da Venezuela e depois veio pra Ceres tendo jogado pelo Ceres Esporte Clube, o Leão do Vale do São Patrício bem no miolo de Goiás já em 1984 onde encerrou sua carreira como jogador profissional. Passou por times amadores da cidade e da região, como o 13 de Maio de Lourivaldo e Luiz Kran, onde disputou algumas partidas amistosas no fim da década de 80.
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Mas por aqui, Dirceu se descobriu e se destacou como treinador e enveredou em uma nova profissão da qual nunca se aposentou, além de ter atuado como comentarista nas principais rádios de Ceres e Rialma.
Comandou diversas escolinhas de iniciação esportiva, além de ter inspirado diversas outras como o Interiorano Futebol Clube, fundado por Kássio Kran sob inspiração e apoio de Dirceu Lopes e contava com Rodriguinho (K’zinha), Caio Monteiro, Urias Joares, Marcos Braga, Leonardo e Luccas Melo, Richard, Mayk Dyone, Renan e muitos outros que disputaram copinhas em categorias de base organizadas por uma das maiores lendas do futebol ceresino que fazia seus jogadores subirem os pesados morros de Ceres correndo, para aprimorarem o condicionamento físico. Ferramentas simples que garantiram grandes vitórias.
Dirceu comandou também a equipe do Ceres nas disputas dos estaduais na categoria sub-20 por vários anos e na terceira divisão em 2017, com apoio de outro grande nome do futebol, José Fleury, presidente do clube na época, tendo revelado jogadores que seguiram carreira, como o Washington por exemplo que com passagens por times como Vila Nova/GO, Goianésia/GO, Paysandu/PA, Luverdense/MT, Catanduvense/SP e Itumbiara/GO disputou além de estaduais, a Copa Verde e o Campeonato Brasileiro.
No Goianão das categorias de base o alvinegro ceresino chegou a finalíssima deixando para trás os favoritos da capital e quem foi ao Centro Olímpico de Ceres (Estádio Gelço da Costa – Lua) nessa época vai se lembrar da figura do treinador tirando saltos e cambalhotas a cada gol comemorado e seu linguajar característico, dizendo: “só bola” ou “bora garoto” com a língua presa, mas com uma voz de comando muito solta e livre.
A garotada também deve se lembrar da rodada de “baixa renda” (refrigerantes mais baratos) que Dirceu liberava ao fim de cada jogo das copinhas, para a molecada que esperava, principalmente no Campo Beira Rio e no Estádio Centro Olímpico, sempre com muito respeito e simplicidade. Dirceu inspirou gerações. Trouxe caráter para hoje, profissionais de vários ramos, pais de família, seres humanos.
Tentou ser vereador, mas não conseguiu se eleger e também, nenhum prefeito ou prefeita eleitos lhe concedeu um cargo para que ampliasse o alcance de seu legado. Talvez o próprio Dirceu não tenha aceitado, não sei, mas definitivamente o seu lugar era na beira de um gramado fazendo o espetáculo acontecer. Há muitos bons nomes em Ceres e região, como foi o professor Tibié e do Carlos Bolinha em Rialma, Bode e Caiaba em Ceres, Ney Santos em Ipiranga de Goiás e Mesaque Magalhães em Goianésia. Mas, Dirceu é Dirceu.
Biografia de Dirceu
Engana-se quem pensa que nosso ídolo teve uma vida fácil. Nascido em 11 de março de 1959 na pequena Buenópolis bem no miolo de Minas Gerais, cidade cercada de belas serras que ganhou fama pelas palavras do escritor Guimarães Rosa. Mudou-se ainda moleque para a cidade de Corinto na mesma região e foi lá que junto de seus amigos, começou a jogar descalço nos campinhos de terra, quando tinha por volta de 8 anos de idade.
O pai trabalhava na Central do Brasil, a companhia responsável pelas estradas de ferro na região naquela época, mas também era treinador do hoje centenário Guarany Atlético Clube Corinto, alvinegro enquanto o filho treinava pelo Botafogo de Corinto, mais conhecido como Botafoguinho, lógico, alvinegro e foi ali que deu seus primeiros passes e fez suas primeiras jogadas, primeiros gols, com Gesum (ex São Paulo e Bahia), Eli Mendes (disputou a Copa Libertadores pelo Cruzeiro em 1976), Vanderlei, Antenor e Abel Pio, que colaborou para a construção dessa matéria.
Ainda muito novo perdeu a mãe, um irmão e por consequência, o pai, numa tragédia horrorosa que não será contada aqui, mas quem sabe num futuro livro ou documentário e assim, foi morar somente com os irmãos e irmãs que superaram aquele momento terrível e poderia ter se perdido na vida, mas em meio a tantas adversidades, driblou as dificuldades nunca ditas em público por ele, venceu e se tornou uma das personalidades mais respeitadas de Ceres e dos lugares onde passou.
Nosso astro local jogou pelo Cruzeiro na época de Joãozinho, Nelinho, Zé Carlos e Piazza e estava a disposição do clube mineiro, na final de 1974 em que saíram derrotados para o Vasco. Nessa época, seus colegas jogadores o consideravam “bom de papo”. Dizem que ele levava qualquer um que não o conhecesse na conversa. Ouviam samba em seus momentos de descontração. Muitos amigos de sua época desistiram do futebol e seguiram por outro caminho, mas Dirceu não, seguiu fazendo carreira e fazendo história.
Dirceu é merecedor de uma homenagem eterna em Ceres. Uma rua, um prédio público, quem sabe uma nova quadra de esportes, um novo campo de futebol, talvez. Uma estátua de frente ao Estádio Centro Olímpico para relembrar os velhos tempos do vitorioso Ceres Esporte Clube no antigo José de Deus Rissati já que nossa deusa dos cereais já não é tão expressiva no esporte como já foi um dia. Pensando bem, uma estátua na porta de um estádio sem movimento não expressa tudo o que representa Dirceu Lopes, se bem que o Flamengo Master, vem para um jogo contra o Ceres, dia 28 de janeiro. Se existisse um hall de figuras ilustres de Ceres, ele deveria estar lá.
O Democrata de Sete Lagoas, só foi campeão mineiro duas vezes em 108 anos de história. A primeira em 1981 com Dirceu Lopes em campo e em 2022 pela segunda vez. Dirceu a essa hora bate bola ou só um bom papo com Pelé e Roberto Dinamite. Refletores desligados. Obrigado Dirceu!