Para quem não sabe, conceitualmente arquitetura hostil é uma estratégia que visa controlar ou limitar o comportamento humano, incorporadas em estruturas físicas sejam públicas ou privadas, para evitar certas ações como o uso indesejado dos referidos espaços, mesmo que a estética do design fique horrorosa e normalmente são direcionados a ambulantes ou manifestantes, mas principalmente a pessoas em situação de rua, como é provavelmente o caso em Ceres, o que é crime conforme a Lei nº 14.489/2022, por ser considerada uma prática higienista, preconceituosa, elitista que alimenta a desigualdade, a segregação, a marginalização e a exclusão social.
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Em Ceres a equipe do OA flagrou a prática deste crime na Estação Rodoviária após receber duas denúncias sobre o assunto como sugestão de pauta e constatou os elementos arquitetônicos hostis que a grossa visão passam quase despercebidos, não bastando a desagradável experiência propiciada ao pedestre nas calçadas da cidade, principalmente nas principais avenidas, onde carros tomam conta da passagem, excluindo inclusive carrinhos de bebês e cadeirantes.
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Vendo essa “arquitetura antimendigo” e antipedestre vale lembrar que a cidade pertence a todos, não apenas àqueles que tem poder de compra, não bastando a invisibilidade e as mazelas sofridas pelas pessoas em situação de rua, que hoje totalizam cerca de 222 mil indivíduos no Brasil. Sob pressão de quem detém o capital financeiro, quem administrou a ação tenta removê-los de forma sutil de um lugar em que poderiam abrigar da chuva, com anuência ou negligência da Prefeitura Municipal de Ceres.
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O Artigo 182 da Constituição Federal deixa claro que a política de desenvolvimento urbano seja executada pelo poder público municipal a partir das diretrizes gerais fixadas em lei pela União e sendo crime a prática, não há o que discutir, não cabe opinião ou argumento além da remoção da hostilidade de cimento e uma retratação, reconhecendo o erro, já que errar é humano. O que está em jogo é o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade que garanta o bem-estar dos seus habitantes e isso está acima do interesse de qualquer prefeitura ou político eleito porque significa e representa o interesse da cidade como um todo.
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E se temos um viés realmente democrático, optemos por democratizar o acesso a todos os órgãos e serviços públicos. Façamos da parte de baixo da Rodoviária um lugar diferente com alguma utilidade, com projetos que favoreçam a população de maneira geral, já que está largada há tempos, sendo necessária uma mudança cultural em como olhamos o espaço público.
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Claro que não é o local adequado para pessoas em situação de rua, mas nem a própria rua deveria ser lugar para pessoas morarem, mesmo que seja uma escolha da própria pessoa. Não dá pra chamar a rua de residência e tirar pessoas vulneráveis do alcance da vista não resolve o problema. Pelo contrário, aprofunda ainda mais a desigualdade urbana.
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A arquitetura hostil diminui as áreas públicas utilizáveis e diminui, por consequência, a oportunidade de sociabilidade entre indivíduos. Mas a Rodoviária há anos já é uma área sem sociabilidade e sem usabilidade. O desafio é torná-la usual e sociável, não apenas limpa, pois o povo ceresino pode mais e há conhecimento suficiente para criar espaços públicos mais humanos, ou será que somos tão limitados? Particularmente não acredito que a mente de nossos gestores sejam um deserto de sociabilidade.
Joaquim Alcides é um filho de Ceres, seus pais foram pioneiros,
atualmente reside no estado do Mato Grosso,
é professor e Doutor em Sociologia e colaborador deste portal