Em tempos onde o Brasil verde e amarelo ganha tons de vermelho, o patriotismo se tornou marco importante para definir de que lado cada um está em uma nação polarizada. Mário Jorge Lobo Zagallo foi um grande nome do movimento patriótico nacional, tanto que muitos jogadores de ponta determinam que aprenderam a amar a seleção canarinho por influência do professor, falecido no dia 05 de janeiro de 2024, por falência múltipla dos órgãos após internação desde dezembro.
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Mas os tons de vermelho que as cores verde e amarelo ganham, não são apenas por questões políticas, mas sim sinal de alerta para uma seleção que vai de mal a pior a cada copa, correndo risco de nem se classificar para 2026, em evento que ocorrerá nos mesmos lugares que trouxeram o título para o Brasil em 70 e 94, respectivamente, o tri e o tetra, com Zagallo presente!
Mas ainda falando de política, Zagallo tinha um apreço enorme pelo número 13, mas isso bem antes do Partido dos Trabalhadores existir e embora tenha sido flagrado em vídeo com o presidente da época Jair Messias Bolsonaro em 2019, nunca se declarou apoiador de esquerda ou direita e inclusive esteve com Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 ainda em seu primeiro mandato, tendo dito na época, ás vésperas da copa que “O 13 do PT levará o Brasil a vitória”, conforme matéria do Portal NSC.
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Copa esta que a seleção pentacampeã perdeu, mais uma vez, com Zagallo na comissão, semelhante a Copa de 98 em que o Velho Lobo foi o treinador. Nas duas oportunidades a derrota e consequentemente a desclassificação do Brasil foi causada pela França. Enfim, Mario Jorge teve proximidade com muitos presidentes da República, inclusive na época da ditadura.
Foi na ditadura militar que sua carreira como treinador se iniciou. Assumiu o comando da seleção verde e amarelo devido a demissão polêmica do polêmico João Saldanha em 1969 as vésperas da Copa de 1970, tido como gênio rebelde, comunista combativo, culto e politizado que por não se ater as quatro linhas, acabou pagando um preço por emitir sua opinião, como aconteceu com o cronista esportivo Valério Luiz, assassinado em Goiânia.
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Zagallo pegou a seleção pronta, como dizem jogadores da época e a lapidou. Saldanha tinha um estilo mais aberto de jogo, mais ousado, mais espaçado, mais leve e até mais ofensivo. Lobo marcava mais com a bola, com isso jogadores como Rivellino e Pelé tinham mais espaço. O jogador Piazza foi escalado na zaga, ele era contemporâneo do ceresino de coração, Dirceu Lopes, ex jogador do Cruzeiro de Belo Horizonte, que faleceu há um ano.
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Em resumo, na opinião dos jogadores Rivellino, Edu, Tostão, Gérson e Jairzinho a seleção teria ganho a Taça Jules Rimet em 1970 de toda forma devido a qualidade técnica coletiva e individual dos atletas, considerados por muitos entendidos do assunto, como a melhor seleção de todos os tempos. Zagallo nunca agradeceu Saldanha ou reconheceu seu mérito por começar o trabalho que abriu caminho para sua consagração, segundo Tostão em entrevista ao UOL em 2020.
Mas uma coisa é inegável como dito no início dessa matéria. Zagallo é um símbolo do movimento patriótico brasileiro. Trouxe a paixão pelas cores da bandeira nacional, a vibração positiva para um povo inteiro e incentivou a irreverência em nosso futebol com sua personalidade marcante e contagiante, o que claramente faz muita falta no cenário de hoje.
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Jogadores cabeludos como Marcelo, não jogariam com Saldanha, pois ele tinha uma visão distorcida sobre o estilo, para não dizer preconceituosa. Alguns dizem que Zagallo não sabia perder, a real é que ele só sabia ganhar. Era espontâneo, o emocional gritava alto dentro dele. Vivia aquilo que era visto e mesmo tendo se mostrado retranqueiro, controverso e confuso em muitas ocasiões nas copas que disputou, era e continua sendo querido demais para ser criticado, afinal é o único desportista a conquistar 4 copas do mundo.
BIOGRAFIA
Nascido em Maceió capital do estado de Alagoas em 09 de agosto de 1931, quando a Copa do Mundo era também recém nascida, foi morar no Rio de Janeiro com seus pais, ainda no colo, que queriam enfrentar o desafio de serem retirantes nordestinos. O pai, senhor Aroldo iria tentar a vida como representante comercial de uma marca de tecidos da família que estava em processo inicial de expansão.
Ele havia estudado na Inglaterra e sua esposa, Antonieta em um colégio elitizado francês em Maceió, por isso queriam que os filhos seguissem o caminho dos estudos. Mario estudou em colégio católico marista e era considerado brilhante tanto em desempenho quanto em comportamento, mas contrariava o pai, jogando bola escondido no terreno do Derby Club, uma entidade esportiva que deu origem ao Estádio do Maracanã alguns anos depois.
Dali Mario foi jogar oficialmente pela primeira no Maguari, time amador do Rio naquela época, ingressando em seguida no América Football Club, por ser mais perto de sua casa, facilitando as fugas e por poder praticar outros esportes como natação, vôlei e tênis de mesa. Sim, Zagallo foi um bom jogador de tênis de mesa. Por suas características físicas era chamado pelos colegas de esporte por Formiguinha.
Serviu o Exército e atuou na segurança da final da Copa de 50 no Maracanã. A derrota do Brasil para o Uruguai fez com que o soldado percebesse que sua guerra era dentro das quatro linhas, servindo o Brasil, mas de outra forma. Na ocasião chorou bastante, sendo amparado pelos companheiros de farda que não entendiam aquela comoção toda. Ali, Zagallo entendeu seu propósito de vida e se alinhou a sua essência de ser um soldado do futebol.
No mesmo ano conseguiu ser contratado para jogar no juvenil do Flamengo, mas como terceiro jogador de sua posição seria muito difícil ter uma oportunidade e ele só precisava de uma oportunidade. Brasileiro que foi, não desistiu até que o titular pediu licença para se casar e o reserva imediato estava doente, sobrou então para o Novo Lobo.
Disputou e ganhou o Campeonato Brasileiro de Amadores no ano seguinte. Atingiu o profissional e em 53, 54 e 55 conquistou o Carioca. Ao todo no rubro-negro foram 205 jogos com 128 vitórias, 38 empates e 39 derrotas com a soma de 29 gols. Seu futebol levou-o a integrar a seleção brasileira de 58, campeã, inclusive marcando gol na final contra a Suécia.
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No mesmo ano, com passe valorizado acertou com o Botafogo e já na estreia venceu o Fluminense por 2 a 1. Jogou ao lado de lendas do time da estrela solitária, como Didi, Amarildo, Quarentinha e Garrincha, tendo sido bicampeão pelo alvinegro em 61 e 62, além de conquistar a Copa Rio-São Paulo.
Jogando pelo Fogão atuou em 299 partidas e marcou 22 gols. Em 1962, quando ainda jogava pelo Glorioso, foi novamente convocado para disputar a Copa, dessa vez no Chile e mais uma vez, o título veio. Encerrou sua carreira de jogador aos 34 anos e ingressou na de treinador e engana-se quem pensa que atuou apenas pela Seleção.
Zagallo comandou os 4 grandes times do Rio de Janeiro, além do Bangu (RJ) e a Portuguesa (SP). Atuou também como treinador em times da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes, para só então voltar à Seleção, mas assim como quando jogador, o treinador não era a primeira opção e como os demais não puderam assumir o comando, sobrou mais uma vez para o Velho Lobo, que se mostrou sempre maleável, diplomático e profissional nas tratativas com a CBF da época e suas imersões políticas.
Era conhecido internamente pelos integrantes da comissão técnica e jogadores como Bode por não tomar banho nos vestiários além de ter fama de “pão duro”, já que não investia em bens visíveis. Mantinha seu fusca enquanto os demais tinham carros do ano e até importados e assim foi tricampeão da Copa de 70, mas 4 anos depois não conseguiu nem o terceiro lugar na disputa, tendo sido considerado como atrasado em sua tática.
O título de 74 foi conquistado pela Alemanha com a presença de Franz Beckenbauer, mais tarde campeão novamente como treinador, um feito semelhante ao do Velho Lobo e para impactar ainda mais a coincidência, morreu em sua casa enquanto dormia, dois dias depois de Zagallo.
Em 94 veio o seu quarto título e o tetracampeonato do Brasil no Estados Unidos, como coordenador técnico junto de seu grande amigo Carlos Alberto Parreira, treinador na época e em 98 com a mesma formação, perdeu na França para a seleção local e encerrou sua carreira na seleção, onde como jogador disputou 37 partidas com 30 vitórias, 4 empates e apenas 3 derrotas. Foi treinador por 157 jogos e atingiu a incrível marca de 113 vitórias, 33 empates e 11 derrotas. Na comissão técnicas foram 53 vitórias, 32 empates e 11 derrotas, totalizando 96 partidas.
Em uma situação sombria, Zagallo nos deixa no momento em que Ednaldo reassume de maneira enigmática o comando da Confederação Brasileira de Futebol e vai se encontrar com João Havelange no mundo espiritual. Pelo jeito vamos ter que aguardar a reencarnação de Zagallo para a estrela do hexa brilhar.