Em uma época de pandemia visível, o silêncio deveria ser um convite para reflexão construtiva direcionadora de mudanças em si, no outro e na sociedade. Mudanças só são possíveis com o reconhecimento da própria situação, algo que provavelmente não está acontecendo, já que o referido silêncio, escandalizado pelo isolamento e distanciamento social, grita aos quatro cantos, que há um povo, que nunca teve voz ativa.
O enfrentamento a pandemia do coronavírus, se deu em cada localidade, em conformidade a construção histórica e cultural. O Brasil vivia a euforia de uma retórica campanha eleitoral baseada em discursos de ódio, notícias falsas e polarização político-partidária, além do descenso da economia nacional, terminou por escancarar o abismo social existente entre as classes, enquanto a chamada elite, esperava o apocalipse sanitário, do camarote da burguesia.
Assim nascia a direita, a necropolítica brasileira, baseada na defesa a inimigos imaginários, no pensamento simplificado e superficial da complexidade da vida e na prática do “deixa morrer”, caracterizada pela lentidão na tomada de atitudes que gerassem solução. Uma espécie de democracia customizada, em que algumas vidas valem mais que as outras, o que justifica eliminar aquelas que aos olhos da lógica perversa do sistema, parecem ser menos produtivas, para que a fluidez melhore para aqueles que sobrarem, ao fim do processo, numa espécie de Big Brother Social, onde se elimina o povo marginalizado. Reagindo a isso, começa a ressurgir no cenário nacional, as manifestações de esquerda espelhadas em movimentos sociais como o Black Lives Matter mostrando que o povo periférico, também merece viver, tornando claro o uso político das variantes sociais da pandemia, como ferramentas de opressão e dominação, de forma que a tragédia se tornasse costume, atingindo principalmente as periferias, não somente as urbanas, mas as minorias de maneira geral. O negacionismo vem para negar direitos, se apoiando em ilusões e se mostra, uma arma de destruição em massa.
Porém, esse abandono é histórico e estrutural. Não é novidade para os grupos minoritários e vulneráveis, correr risco de vida no cotidiano. Para muitas dessas pessoas, que já conviviam com a morte, a doença causada pelo vírus, não é nem de longe, a principal preocupação, visto a existência de uma outra epidemia crônica, de violência, preconceito, miséria e silenciamento, potencializada pela conjuntura atual.
Aqui, mas não somente aqui é que a Psicologia mostra sua face elitista, ainda marcada pela herança colonial europeia, hospitalocêntrica, baseada na patologização que fomenta e é fomentada pela psiquiatria e seu mercado. Não tem proximidade com o povo sofrido e por assim ser, não dialoga com esse nível social. Também não favorece o acesso aos seus serviços, corrompendo a democratização e por isso, a democracia, bem como, parte de seu compromisso social, principalmente num momento de incalculável custo subjetivo, pelos traumas gerados como nefastos resultados, para a saúde mental, com prejuízos dramáticos.
Se faz necessário uma retomada, de consciência e de espaço, quase que como numa colonização reversa, que passe pelo fortalecimento da arte e da cultura, empoderamento social e o exercício de políticas públicas de impactos profundos. Esse processo poderá favorecer iniciativas comunitárias independentes, como o Instituto Ubuntu, no interior de Goiás, por exemplo, com tendência a aquilombar a própria comunidade, que por si só, é um empreendimento deste porte, como bem ensina o professor Abdias do Nascimento, já que quilombo não é um lugar, mas sim, uma atitude.