Há exatamente 10 anos um fato inusitado aconteceu em nossa cidade que tem nome pagão, Ceres, a deusa dos cereais na mitologia romana, envolvendo a gestão municipal da época, a Igreja Católica e os interesses culturais de segmentos da comunidade ceresina, onde o domínio da religião se sobrepôs a tudo que é mais sagrado nesse país, a democracia, perante o principal livro que nos rege, a Constituição, obrigando agentes culturais independentes a aceitarem a submissão imposta num estado laico, num claro aceno de extremismo religioso praticado.
Um produtor de eventos havia organizado um show da dupla sertaneja Israel e Rodolfo que ocorreria nas dependência do Ceres Clube Recreativo que tinha naquele ano de 2014 o apoio da Valecap que na época tinha uma parceria com o Hospital São Pio X. Anunciado para o dia 18 de abril depois da meia noite, como consta no cartaz, ou seja, já no dia 19 e já tendo sido vendido mais de 300 ingressos, o show teve que ser cancelado.
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Acontece que dia 18 era Sexta Feira Santa, que representa a morte de Jesus Cristo e é um dos mais importantes e respeitados feriados católicos, mas dia 19, já era Sábado de Aleluia, que simboliza a chegada do fim do período de penitência religiosa, chamado Quaresma que dura 40 dias, antecedendo a Páscoa, que simboliza a ressurreição de Jesus Cristo.
Portanto por ser um evento que feria o respeito a Semana Santa, a igreja por meio da gestão da então prefeita Inês Brito, interviu e não liberou o alvará de funcionamento. No documento de negativa, a senhora Shirley Kellen Ferreira, Secretária de Administração e Modernidade, disse que sua decisão era baseada em um documento enviado pelo Bispo Dom Eugênio Rixen da Diocese de Goiás, da qual a paróquia de Ceres faz parte.
O documento assinado pela então secretária da época, como pode ser visto na imagem, explicou que o motivo de indeferir o pedido foi que no ano anterior houve um evento semelhante e que muitos católicos ficaram escandalizados. Explica ainda que considera a maioria de 66% de católicos para tomar a decisão, mas pelo visto esqueceram que uma gestão não pode ser religiosa, conservadora e exclusivista, mas sim política, popular e inclusiva.
Esse tipo de prática remete aos tempos da Idade Média e da Inquisição, que também era santa. Atitude de lideranças de esquerda, semelhante ao movimento de direita liderado pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro, com o slogan “Deus, Pátria e Família”, igualmente extremista no ideal religioso, beirando se não a um golpe, pelo menos a uma sabotagem do estado democrático de direito.
Cabe ressaltar que realizar eventos nessas datas não é nem de longe uma tentativa de afronta a qualquer tipo de religião, mas sim uma estratégia comercial, já que nessas épocas devido a uma menor procura os shows tendem a ter valores mais baixos e o interesse do público maior, devido a menor oferta de eventos na temporada.
Os produtores do evento tentaram levá-lo para Rialma de última hora e mesmo com o apoio do prefeito Janduhy não tiveram sucesso, mostrando que não é novidade a migração de grupos alternativos de Ceres para a cidade vizinha e a perseguição a movimentos independentes, como aconteceu com as terapias holísticas e Práticas Integrativas em 2021.
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Também não foi o primeiro grande evento cultural cancelado em Ceres que já consta com um histórico de ocorrências do tipo, como o show do artista Léo Santana em 2022 repercutido por este portal. Antes disso em 2016 o 1º Arraiá do Cerrado em Ceres, que tinha apresentações confirmadas de Eduardo Melo e Naiara Azevedo foi cancelado devido o assassinato de um dos produtores, Tiago Félix, parceiro de Netim Ferreira, produtor do show cancelado por determinação da Igreja, discutido nessa matéria.
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Naquele dia em face do indeferimento de seu pedido, Netim expôs o caso na página Ceres Consciente no Facebook. Revoltado e indignando criticou a decisão e trouxe seus argumentos, atentando para um comportamento governamental digno de uma ditadura. Os internautas teceram muitos comentários em favor do produtor. Um deles dizia que haveria um evento semelhante na cidade de Uruana, também inclusa na mesma diocese. Outro criticou a ex-prefeita por ter se reunido com a juventude para ouvir os clamores e anseios desta parcela da sociedade quando em campanha eleitoral. Outro usuário da rede social disse que a Secretaria de Modernidade, na verdade deveria se chamar Secretaria de Atraso.
Esta é a Coluna Ceres No Tempo
que trata de assuntos históricos que já aconteceram nessa cidade
Joaquim Alcides é um filho de Ceres, seus pais foram pioneiros, atualmente reside no estado do Mato Grosso, é professor e Doutor em Sociologia e colaborador deste portal