A caravana da glória estava programada para percorrer cerca de 70km pelas ruas de Buenos Aires para comemorar o tri depois de 36 anos e foi recebida por um número estimado de 6 milhões de torcedores que em êxtase deixaram um rastro de destruição pelo caminho que terminou com gente morta e dezenas de feridos.
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A arruaça promovida por los hermanos teve lixo espalhado por toda a cidade, carros deixados com as rodas pra cima, vidraças quebradas a pedradas, ônibus destruídos, pedaços de calçadas arrancados, postes derrubados, marquises no chão e até uma bandeira do Brasil tirada do mastro de um órgão internacional e incendiada. O time de Messi, Di Maria e Paredes em desfile num ônibus conversível de dois andares ainda quase foi eletrocutado ao passar muito próximo a uma rede elétrica. Os jogadores se abaixaram aos 45 minutos. A manchete de hoje poderia ser outra.
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Porém não conseguiram fazer todo o trajeto programado, justamente pela baderna que virou a festa. A ideia inicial era passar pelo Obelisco e seguir até a AFA (Associação de Futebol Argentino), mas a manobra se tornou muito arriscada a ponto de a Polícia encerrar a comemoração dispersando o pessoal com bombas de gás e balas de borracha.
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O ambiente parecia de guerra, como nos conta Ana Paula Hernandez, nosso contato naquele país. Segundo ela se assemelhava muito aos protestos ocorridos recentemente em favor da democracia, mostrando que a euforia daquele povo nada mais era do que resultado de um reflexo de sua realidade social.
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Aliás, estava no roteiro a passagem da seleção tricampeã pela Casa Rosada, sede do governo vizinho e o encontro com o presidente da república em vertigem, Alberto Fernandez que acabou não ocorrendo gracias as intercorrências. Ele que há tempos chegou a dizer que em sua gestão não gostaria de misturar política e futebol, pois sempre quando isso ocorre, o esporte entra em ruína.
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Por outro lado, sempre que essa mistura é realizada a política sai ganhando, veja o exemplo do Brasil que nos anos mais sanguinolentos da ditadura teve a imagem associada ao bom desempenho da seleção canarinho em seus anos mais dourados e desde então todos os ex-presidentes tiveram participações midiáticas nas conquistas futebolísticas.
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Quem não se lembra do Vampeta descendo a rampa do Palácio do Planalto de cambota diante do então presidente Fernando Henrique Cardoso após a conquista do pentacampeonato? E o seu sucessor e atual presidente eleito, Lula, que antes do fiasco diante da Croácia disse deu a entender que sua vitória nas urnas traria sorte a seleção, pois a última vez que ganhou o título mundial, foi em 2002, ano de sua primeira eleição.
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Bolsonaro nem se fala. Insuflou no país um nacionalismo aguerrido e se apoderou da tradicional camisa amarelinha da seleção de futebol nacional, misturando verdadeiramente política e o esporte, num ato populista gerando um sentimento que remete a religiosidade. E mesmo o presidente da Argentina que prometeu não misturar as duas coisas, lamentou a não passagem da seleção albiceleste e se vendo obrigado a cumprir sua promessa optou por quebrá-la dizendo:
“Fato é que sou o único presidente que não recebeu uma equipe campeã do mundo, mas sou o único que venceu a Copa América, a Finalíssima e a Copa do Mundo” (Alberto Fernandez)
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Apesar da confusão generalizada fruto da confusão nacional, o título teve a capacidade de unir toda a Argentina numa só e talvez fosse isso que o presidente quisesse comemorar e manter. Vélez Sarsfield, Boca Juniors, Independiente, River Plate e muchos otros entoando cânticos juntos assim como seus delicados lados políticos e isso pode abrir caminhos para a salvação do governo de esquerda ameaçado no país da Casa Rosada em plena “onda rosa” que toma conta não só do Brasil, Chile e Peru, mas de praticamente toda a América do Sul. Chê deve estar tão feliz quanto Maradona.
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Kássio Kran é psicólogo, palestrante e terapeuta,
fundador do Instituto Ubuntue da Fundação Henrique Gabriel dos Santos.
Atualmente é CEO do PASH – Plano Assistencial em Saúde Holística e assessor de cultura em Ceres